segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

REPORTAGEM



Famílias Brasileiras

O que o Brasil oferece de tão bom que possa atrair imigrantes de países tão distantes, como vivem os brasileiros descendentes de estrangeiros e como explicar o atual crescimento de estrangeiros do extremo oriente em Vitória da Conquista.

Por Gabriela Ribeiro e Manoela Sande

Poderia ser uma rua em alguma cidade japonesa, mas trata-se do Bairro da Liberdade, em São Paulo, considerado a maior colônia nipônica do mundo fora do Japão.
O bairro Liberdade é o coração oriental da cidade. As ruas estreitas e movimentadas e os letreiros das casas comerciais escritos em kanji (ideogramas) dão um clima de Tóquio ao local.
Essa sensação de se estar no Japão é reforçada pela decoração das ruas com lanternas típicas (suzuranto), por um jardim oriental, pelo portal (torit) e por dezenas de restaurantes especializados em culinária japonesa.
A Liberdade é o principal palco dos festivais japoneses realizados no Brasil - Anualmente são promovidos no bairro o Dizo Matsuri ( Festival das Estrelas) e
o Toyo Matsuri, festividade de encerramento do ano. 
Os primeiros japoneses começaram a chegar ao Bairro da Liberdade em 1912, impulsionados a sair do seu país por grandes problemas políticos e econômicos devido ao desenvolvimento do capitalismo nos principais países do mundo.
Nessa época, o Brasil, presidido pelo Marechal Hermes da Fonseca, exportava para o mundo a propaganda de um país acolhedor e promissor, onde tudo era mais fácil e agradável e havia empregos para todos nas construções de estradas e ferrovias e nas plantações de café, açúcar e uva.
As Grandes Guerras Mundiais, o declínio econômico dos países envolvidos e a corrida pelo destaque no mercado internacional capitalista também foram alguns dos principais estopins para que orientais e europeus buscassem o paraíso tropical das Américas: o Brasil.


Bairro da Liberdade -SP

São diversos os motivos que trazem estrangeiros para o Brasil, os que vêm para ficar buscam por tranqüilidade, qualidade de vida e oportunidades de emprego. Essas eram as expectativas dos primeiros japoneses a aportarem por aqui, como é o caso de Kitiziro, patriarca da família Kamimura (上村), que chegou ao Brasil em 1912.
Kitiziro Kamimura trabalhou como estivador no porto de Santos, em São Paulo, impulsionado pelas propagandas paradisíacas que faziam do Brasil na época veio com a irmã em busca de novas oportunidades. Somado a isso, o Japão sofria um período de ajuste político-econômico, tentando se encaixar no mundo capitalista.
O período entre-guerras também atraiu famílias inteiras que vinham em busca de paz e estabilidade, como o caso da família Sumitani (炭谷), que saiu de Osaka no Japão em 1934 para tentar vida nova em Orlândia, São Paulo. Shigero Sumitani, patriarca da família, era alfaiate e não estava conseguindo manter os negócios em Osaka, optando por se mudar com a mulher, Massayo Sumitani, e os 6 filhos. Um dos filhos, Akira Sumitani, chegou aos 9 anos de idade, e contava ainda se lembrar do caminho que fazia para a escola no Japão. Akira dizia lembrar-se também das propagandas que mostravam ovos (comida rara no Japão da época) e diversas frutas que podiam ser pegos nas beiras das estradas, era só ir lá e pegar para comer.
Há ainda casos particulares, como o de Heiji Nakazawa, que foi obrigado pelos pais a sair do Japão por se envolver muito em brigas. Heiji tinha a opção de ir para o Brasil ou para a Coréia e por rebeldia optou pelo país mais distante. Veio com a mulher e a filha de 7 anos, Toshi Nakazawa, que veio a se casar com Shigero Kamimura, filho de Kitiziro Kamimura. Quem nos conta isso é Alessandra Sumitani Kamimura, 20 anos, descendente direta das três famílias.
                                                               

               Família Sumitani e Alessandra Kamimura entre amigos descendentes e não-descendentes de orientais.


Os casamentos entre os primeiros japoneses a morar no Brasil aconteciam quase que totalmente entre orientais e descendentes diretos. Isso mostra um lado negro da história: o preconceito.
Os japoneses levam como marcas de sua cultura, orgulho e honra como sendo as doutrinas mais importantes que uma pessoa pode ter. Com isso em mente não é difícil entender o preconceito que parte dos japoneses para os brasileiros.  Japoneses que deixavam seu país eram considerados desertores, traidores da pátria, assumir a cultura brasileira e casar-se com brasileiros só pioravam a situação. Foi o que aconteceu com Tadashi Matsukawa, que saiu sozinho do Japão aos 19 anos para conhecer as tão faladas oportunidades que o Brasil oferecia, após a Segunda Grande Guerra. Essa foi uma época em que o Brasil recebeu mais estrangeiros que buscavam fugir dos martírios deixados pela guerra. O Japão, aliado da Alemanha na guerra, além de intensificar a sua desestruturação político-econômica remanescente ainda da Primeira Grande Guerra, sofria com o medo de mais ataques nucleares, como os que ocorreram em Hiroshima e Nagazaki.  No Brasil americanos mantinham fazendas e participavam da política na era Vargas, uma constante ameaça para os japoneses, que poderiam ser presos, deportados e até mortos. Tadashi Matsukawa buscou refúgio em uma plantação de uva no interior do Paraná, onde conheceu sua esposa Eloisa Fujie Matsukawa, de descendência puramente oriental.  Ainda assim, até hoje Tadashi sofre preconceito da própria família por ter saído do Japão, ao que ele responde: “Pelo menos eu tenho uma casa no Brasil. E se o Japão se afundar em guerra e terremoto, pra onde vocês vão?
Clarita Maki Matsukawa, 29 anos, filha brasileira de Tadashi e Eloisa, mora em Nagoya – Japão desde os 16 anos de idade. Ela conta que mesmo sendo descendente de orientais e tendo convivido com a avó que só falava japonês, teve como principal dificuldade se adaptar a língua, além de alguns costumes que são condenados no Japão. “Aqui a gente num tem essa liberdade como a gente tem no Brasil... eles são muito rigorosos com horários e no Japão não tem 'jeitinho' né. Eles não te dão troco em bala, mas por conta de um ichien (centavo do Iene, moeda do Japão) você não leva a compra que fez.
Ela conta ainda como os japoneses mais velhos encaram os estrangeiros que vão para o Japão. “Tem japoneses que odeiam estrangeiros. Quando vim para o Japão teve uma notícia grande de uma moça brasileira que foi entrar numa joalheria e o dono expulsou ela de lá violentamente. Ele tinha apontado a placa em kanjis na porta da loja que tinha escrito ‘proibida a entrada de estrangeiros’, mas ela não sabia ler.
Por motivos assim os imigrantes e descendentes mantinham orgulhosamente o máximo da cultura japonesa que podiam, alguns se recusavam a aprender a língua portuguesa, cozinhavam a própria comida típica mesmo com dificuldade em achar os ingredientes e construíam seus templos xintoístas onde mantinham sua religião. Vale lembrar que hoje a cultura brasileira está muito mais arraigada entre os japoneses e a aceitação é maior, mas ainda assim nota-se a clara preferência dos orientais abrasileirados em manter seus costumes. Prova viva disso é o Bairro da Liberdade, um reduto japonês no coração da maior cidade do Brasil, onde se pode achar praticamente tudo o que há no Japão e países asiáticos, de comida a livros, roupas e untesílios, e o melhor, tudo escrito em kanji.


                                                                Clarita Maki Matsukawa – Brasileira em Nagoya

                                                                  
Se por um lado os brasileiros sofrem preconceito por parte dos japoneses, por outro são considerados como o povo mais receptivo do mundo. O preconceito que parte daqui ainda existe, mas tem diminuído com o passar do tempo.
Não sei se pode considerar como preconceito, mas vira e mexe as pessoas na rua e até mesmo na escola falam coisas como xing ling, oh japinha, sayonara arigatou, essas coisas, o que me dá muita raiva, se bem que de uns tempos pra cá isso tem diminuído, talvez porque esse negócio de preconceito esteja sumindo.” declara Rodrigo Ken Kawassaki, 16 anos.
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                                                 Rodrigo Ken Kawassaki entre amigos

Um dos motivos que também explica a diminuição do preconceito de brasileiros em relação aos orientais é o atual encantamento nacional com a cultura principalmente japonesa. Os games asiáticos são uma febre, eventos de animes estão cada vez mais freqüentes, aumentou a demanda por mangás (quadrinhos japoneses) e nota-se um desejo crescente nos jovens em querer conhecer e vivenciar uma cultura tão diferente.



Por sua receptividade o Brasil atrai pessoas do mundo todo. Alguns querem morar, outros apenas conhecer, mas o destino de todos passa por aqui. Luís Carlos, 27 anos, morou na Alemanha e tenta explicar um pouco do interesse que o Brasil desperta. Segundo ele, a mistura do clima tropical, as belas praias e mulheres e as festas constantes concedem ao nosso país esse ar de paraíso tropical onde tudo é permitido.

O clima aqui é quente e é o sonho de consumo de muitos dos meus amigos europeus. Eles sempre se referem ao clima como este sendo o ideal e perfeito, aquele velho sonho de poder sair de camiseta, shortinho e sandália o ano todo. Isso tudo em conjunto com belas praias paradisíacas, areia branca e coqueiros desperta o interesse de muitos turistas. Sem falar nas mulheres bonitas que circulam pelas praias e não podemos nos esquecer do carnaval, sonho de qualquer “gringo”. Muito samba, caipirinha e sexo!

Uma experiência bem interessante é a do estudante de intercâmbio Lukas Hinkelmann. Alemão, ele morou durante um ano no país. Fez intercâmbio pela AFS (American Field Service) e seu destino foi Ubá, interior de Minas Gerais, mas ele conheceu vários lugares do país, inclusive foi recebido por uma familia na Bahia, em Vitória da Conquista.
Com apenas 17 anos ele embarcou nessa aventura e acredita ter sido a melhor experiência da sua vida. “A melhor experiência que levei do Brasil foi a de conhecer bastante gente e saber
que é fácil de fazer bons amigos. Eu fiquei muito responsável e isso pela primeira vez sem pais. Eu passei por muitas experiências boas, algumas foram ruins, mas eu aprendi com isso. Não foi sempre um tempo legal e fácil, mas finalmente o Brasil ficou no meu coração e com ele muitas pessoas que eu conheci, mesmo que por pouco tempo.
O estudante fala muito das mulheres brasileiras, das festas e também ressalta as questões políticas e ambientais e a diferença social, questão que o espantou e preocupou muito. Tem muita gente que é pobre e que mesmo assim eles estão felizes com a vida deles, mesmo assim eles tentam fazer tudo certo e avançar. Uma vida sem dinheiro no Brasil é muito difícil, especialmente porque as diferenças entre pobre e rico são muito altas e ver os ricos com uma vida sem preocupações deve ser muito complicado.
Quando perguntado sobre a maior diferença que ele notou entre os brasileiros e alemães Lukas diz que os brasileiros são mais “quentes” e felizes, e atribui essas característica ao sol do lugar.



                                                                    Lukas Hinkelmann e intercambistas da AFS.

 

Vitória da Conquista não tem praias e é considerada a Suíça baiana por seu clima frio, ainda assim parece atrair os estrangeiros. Ao andar pelas ruas do centro da cidade percebe-se facilmente vários estabelecimentos de orientais, em sua maioria chineses. As pastelarias, lanchonetes e lojas comerciais de propriedade chinesa tiveram um aumento significativo na cidade no ano de 2010.  Ao tentar contatá-los eles foram frios e ríspidos, resultado já esperado de acordo a cultura rigorosa de uma China que se mantém comunista nos dias de hoje. Porém, o que explica essa migração massiva repentina?
Um dos prováveis motivos é por Vitória da Conquista ser uma cidade de comércio intenso, mesmo estando no interior da Bahia. Um lugar onde não se tem os problemas de uma cidade grande, mas com um mercado tão promissor quanto. Conquista conta com a vinda constante de estudantes de toda a região Sudoeste por causa das universidades públicas estadual e federal, UESB e UFBA, que ajudam de forma significativa a movimentar a economia conquistense. As universidades são também motivo da vinda de orientais para a cidade, como é o caso de Shunji Ikuta Filho, estudante de Cinema na UESB. Vindo de Una, uma cidade próxima a Ilhéus – Bahia, descende de japoneses vindos de Kyoto e de alemães.  Segundo ele, seu avô decidiu tentar novas oportunidades no Brasil por pensar que o Japão não conseguiria se reerguer. Quanto aos costumes, Shunji diz conseguir conciliar as diferentes culturas das quais descende e viver num estilo de vida próprio. “Eu diria que eu gosto de conviver com meus próprios costumes, nem brasileiros nem orientais. Gosto muito de comida oriental, mas gosto muito de comida brasileira, baiana e etc.

Shuji Ikuta Filho e sua avó japonesa


Também morador de Vitória da Conquista, Lucas Kazunari é neto de japonês e diz preferir a cultura brasileira. “A alimentação não é muito legal, peixe cru e muita verdura não é comigo, prefiro mesmo o arroz e feijão.
Lucas conta que sua família se instalou em uma colônia japonesa na Bahia ao sair do Japão antes de vir para Vitória da Conquista e que a adaptação de seu avô até hoje é difícil, principalmente em relação ao idioma. Sobre sua relação com seu avô ele diz “Ser neto de japonês é normal como em qualquer outra relação de avô e neto, a cultura deles que é diferente, o modo de tratar as pessoas é muito frio, não são muito ligados não.

Dos orientais pode-se afirmar que pelo observado em sua própria cultura, nota-se que o que eles querem mesmo é trabalhar. Seja em São Paulo, Campinas ou Vitória da Conquista, eles sempre buscam se esforçar ao máximo para aproveitar todas as oportunidades que o país tem a oferecer, desde as oportunidades promissoras de trabalho ás frutas facilmente colhidas á beira da estrada. Eles se adaptam o melhor possível aos modos do país, mas tem como característica orgulhosamente deixar sempre intacto os valores carregados por tradição.


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